Paris – Restaurant Allard

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Que o mestre Alain Ducasse tem o toque de Midas já todos sabemos, muitos restaurantes, muitas estrelas e  uma alta cozinha francesa onde impera o rigor e qualidade da matéria prima. Mas nem só de estrelas Michelin e Hotéis de luxo se faz o império de Ducasse, vários são os restaurantes mais  tradicionais que recupera, mantendo-se fiel à traça do espaço e à cozinha que por lá se praticava, como o Aux Lyonnais ( sobre o qual escrevi aqui)  ou mais recentemente o Allard. E foi este último que tivemos a oportunidade de visitar durante a nossa última estadia em Paris, uma casa histórica, no coração da bela zona de Saint-Germain-des-Prés, fundada em 1932 por Marthe Allard, uma verdadeira “mãe cozinheira” que trouxe as suas receitas de família da Borgonha para Paris.

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Desde os anos 30 foi passando de geração em geração até 1985, mantendo-se fiel à cozinha de Marthe, que  cativava não só os clientes locais como as mais altas estrelas internacionais como Marlon Brando ou Orson Wells, um espaço que segundo Andre Allard “os clientes não visitam para fazer descobertas gastronómicas, mas sim pelos velhos conhecimentos gastronómicos”. E é esse legado que desde meados de 2013, Alain Ducasse se propõe a respeitar e elevar.

Ao entrar no restaurante sentimo-nos como Gil, a personagem de Owen Wilson no filme Midnight in Paris, graças à decoração, que manteve a sua imagem inalterada ao longo dos anos, sem no entanto nos fazer sentir que estamos num local velho ou acabado, mas sim como fazendo parte da sua história, é como se de repente o tempo tivesse voltado atrás e estivéssemos a viver outras vidas e outras épocas.

allard - 12 A monumental manteiga do Allard

Para começar somos brindados com o habitual copo de Champanhe, um pão de excelente qualidade e uma manteiga extraordinária que valia por uma refeição inteira (confesso que tenho dado por mim a recordá-la muitas e muitas vezes na hora de barrar o pão).

allard - 13 Foie gras, Pickes e pâté en croûte d’Arnaud Nicolas
Seguiu-se um misto em que se mostravam duas das principais entradas do restaurante, o Foie Gras, cozinhado no ponto certo e com um sabor irrepreensível, e a Pâté en Croûte, criada por Arnaud Nicolas (MOF em charcuteria). Sobre a Pâté en Croûte, massa excelente, bem cozinhada e crocante, e recheio à base de foie e porco, num fantástico resultado. Também os pickles de confecção caseira se mostraram com excelente qualidade e fizeram muito bem a combinação com as duas entradas mais gordas e pesadas.

allard - 11 Caracóis, manteiga de alho e ervas
Uma das mais tradicionais entradas da Borgonha, os clássicos caracóis com manteiga, ervas e muito alho. Um prato simples,  mas que exige alguns cuidados, nomeadamente no tempo que passam no forno, para não acabarmos com borracha. Neste caso, muito bem conseguidos, suculentos, e com um irresistível sabor a alho e ervas que se faziam sentir na medida certa. Capaz de cativar até o mais reticente dos provadores.

Harmonizou muito bem com um branco de 2013 Pouilly Fuissé do Domaine Cornin, com notas de frutos brancos e citrinos e uma boca bem exótica, que equilibrou muito bem a untuosidade e o alho dos caracóis.

allard - 10 Ovos em cocotte com cogumelos, pão com alho
Outro clássico da cozinha tradicional francesa. Ovos bem cremosos com a gema a envolver-se com o molho rico de cogumelos de forma quase pornográfica. Bem acompanhado pelo pão levemente torrado e barrado com alho. Como reparo, apenas precisava de um pouco mais de sal.

Para o vinho, mais uma boa escolha, com um tinto Maghani do Canet Valette, um vinho cheio  de elegância e ainda jovem, com bastante fruta vermelha e chocolate.

allard - 7Pregado, Legumes e Beurre blanc
Uma generosa dose do que aparentava ser um gigante pregado (nada daqueles pequenos muitas vezes vendidos como rodovalhos), ainda húmido e suculento, e claro, coberto de magia com um dos molhos que tornou celebre a cozinha do Allard, o delicioso e pouco saudável Beurrre Blanc, uma emulsão de manteiga com redução de vinagre de vinho branco e chalotas.  Bem acompanhado por legumes bem torneados e com a textura correcta.

A copo, um Mas des Merveilles Viognier de 2012 do Château Lagrezette, de nariz expressivo e notas a alperce e abacaxi com um final persistente que funcionou muito bem com o peixe e o seu potente molho.

allard - 8Vieiras à la Grenobloise
Grenobloise é uma das formas clássicas dos franceses servirem peixe, acompanhado de manteiga noisette, salsa, pão torrado e alcaparras. A cocção das vieiras estava perfeita, com um bom contraste de sabores e texturas num prato que se revelou um pouco mais pesado e difícil do que seria de esperar, muito por culpa da excessiva quantidade de alcaparras.

A acompanhar, um tinto bastante leve que funcionou muito bem com as delicadas vieiras e os sabores mais fortes do prato, um  Crozes Hermitage, Cuvée Laurent 2013 do Domaine Combier.

allard - 6Selecção de 3 queijos
Um queijo de cabra do célebre Dominique Fabre, um blue cremoso e pouco intenso, e o que me pareceu um Livarot da Normandia. Temperaturas e texturas correctas numa pequena e excelente selecção.

A acompanhar um Sauternes de 2010 do Château Haut-Bergeron, com boa complexidade de aromas e um corpo rico que ajudou à degustação.

allard - 5 Tarte de Limão Merengada
Muito bem preparada, massa fina e bem cozida, creme saboroso com a doçura e a acidez no ponto certo e um bom merengue. Tudo o que se pode pedir de uma boa tarte de limão.

allard - 4Ile Flottante de baunilha, praline
Mais uma clássica sobremesa francesa, muito semelhante às nossas farófias, mas com um outro domínio técnico. Claras com apresentação irrepreensível,  textura e sabor corretíssimos, e um brilhante e intenso molho de baunilha. Importante também o praline, quer pela textura quer pelas notas de caramelo que trouxe à sobremesa.

A finalizar, um vinho que nos acompanhou desde o Porto, para uma nova rúbrica que iremos apresentar em breve, e que associa as nossas viagens a vinhos Portugueses, um excelente e versátil Graham’s Tawny 20 anos, que serviu para finalizar brilhantemente a refeição. Um vinho fantástico para sobremesas como estas, com ovos, baunilha, caramelo e mesmo as notas mais ácidas do limão.

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A carta de vinhos está repleta das mais clássicas referências francesas, ou não estivesse a casa sempre bem composta de anglo-saxónicos em  busca da tradição, no entanto, o trabalho do jovem escanção do restaurante é notável, tendo feito funcionar todas as harmonizações, e nem sempre com escolhas fáceis ou óbvias.

O serviço de sala foi aquilo a que estamos acostumados num bom restaurante francês, corretíssimo e afinado, com uma boa dose de simpatia e neste caso e porque se trata de um bistro, sem muitos dos formalismos e normas que muitas vezes tornam a refeição mais “pesada”.

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Considerações Finais
Ducasse deu uma nova vida a um restaurante histórico da cidade, com um respeito pela tradição como só os franceses sabem  fazer. Das mãos da sua protegida, a jovem chef Laëtitia Rouabah, saem pratos cheios de alma, alguns deles sonhados e criados por Marthe Allard há quase 100 anos, recriados hoje com rigor, técnica e os melhores ingredientes. É certo que ninguém irá ao Allard para descobrir a alta cozinha francesa, ou a mestria dos detalhes de Ducasse, mas irão certamente para descobrir o conforto  e o sabor de uma tradição que foi passando de geração em geração no ambiente único, de um verdadeiro e sincero Bistro. É certo que não é um restaurante barato, como quase nenhum restaurante de qualidade em Paris o é, mas o menu de almoço a 34€ pode ser uma excelente forma de entrarem no mundo da mais tradicional “bistronomia” francesa.

Restaurant Allard
41, rue Saint-André des Arts, Paris
+33 (0)1 58 00 23 42
restaurant.allard@alain-ducasse.com

Graham’s Tawny 20 anos com o apoio da Symington Family

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