Almeja

Nos últimos anos com o desenvolvimento do turismo o Porto tem sofrido, para o bem e para o mal, um mar de mudanças. Da agitação do imobiliário, aos novos hotéis, novas estradas e, claro, muitos, muitos restaurantes. Restaurantes bons, cozinheiros jovens e talentosos, boas decorações e até alguns projectos arrojados que dificilmente imaginaríamos poderem resultar na cidade. Mas, claro, a esses juntam-se dezenas de maus conceitos, maus empresários e muitos espaços que não conseguiram vingar por este ou aquele motivo.

Esse insucesso ou a simples aceitação do fracasso não estavam nos ideais de João Cura e Sofia Gomes quando decidiram abrir o seu primeiro restaurante, onde o nome, “Almeja” deixava já antever uma vontade de singrar e um desejo enorme de deixar a sua marca…

Pois bem, a verdade é que esse sucesso chegou, talvez até mais rápido do que esperavam, tal é a receptividade e as muitas e boas críticas que o Almeja e a cozinha de João Cura têm recebido. João é ainda um jovem cozinheiro, daqueles que abandonam uma formação universitária para, por desejo e vocação, se instalarem em frente aos fogões.  Da escola de hotelaria de Coimbra seguiu para Barcelona, onde trabalhou nos estrelados Dos Cielos e Cinc Sentits e no célebre restaurante vínico Monvínic, criou um projecto de “chef em casa” e o resto é o presente que está a desenhar no nº819 da Rua Fernandes Tomás.

Com um conceito de “Casual Fine Dining” o Almeja pretende aliar a cozinha de autor à informalidade e a uma boa relação de custo/benefício. A decoração revela isso mesmo, simples mas com bom gosto, a manter a traça da antiga mercearia “Japonesa”, que ali havia existido.

Croquetes

Já instalados a experiência começa mesmo em jeito de fine dining, com os snacks a chegarem rapidamente à mesa, 1º um croquete, panado com panko, bem crocante por fora e de interior cremoso, como manda a regra, mas que poderia ter menos óleo e um pouco mais de sabor. Seguiu-se uma ótima madalena com chouriço e gel de maçã, que se viessem em packs de 6 não seria mal pensado – muito boas!

 Madalenas de Chouriço, com gel de maçã

Segue-se o momento do pão, um sourdough feito na casa, com bom aroma e textura a ser muito bem acompanhado por uma manteiga com crocante de leite e flor de sal e um ótimo azeite Angélica.

 Tosta, cabeça de xara, escabeche e maçã
A apresentação transporta-nos para a pastelaria francesa, mas não nos deixemos levar pelo apurado sentido estético do prato, o que aqui está é uma boa tradição portuguesa. Cabeça de xara muito bem preparada, levada pela combinação com o toque ácido do escabeche. Um prato muito bom, no qual senti apenas falta de um elemento mais crocante, uma vez que a tosta e a maçã não apresentavam tanto essa textura.

 Cogumelos, tupinambo e limão
Um dos melhores momentos da noite foi este “simples” prato de cogumelos silvestres, com um aveludado puré de tupinambo e um molho de limão, cuja frescura contrastou com as notas de terra dos restantes elementos e elevou o prato a um belíssimo nível.

Canja de Galinha
Um prato de conforto de uma noite fria, que era simultaneamente uma reintrepretação da nossa célebre canja de galinha. Um bom consommé, ovo a baixa temperatura com a gema no ponto e a massa a ser substituída por uns pequenos raviolis. O toque de alho francês serviu para dar mais sabor ao prato.

Arroz do Mondego
A “cozinha portuguesa” de João Cura não passa apenas pela reinterpretação de receitas clássicas, mas também pela tentativa de apresentar produtos e produtores vincadamente nacionais e que poucos conhecem, um bom exemplo disso é a sua homenagem ao Arroz do Mondego. Onde utiliza provavelmente o melhor arroz nacional “Arroz da Ereira”, para criar um grande, grande prato! Arroz, berbigão, lingueirão e lula, tudo no ponto certo e enriquecidos pela intensidade e salinidade da salicórnia e do plâncton. Um grande prato!

Barriga de Porco
Barriga de porco irrepreensível, suculenta e de pele crocante, bem acompanhada pela couve pak-choi e uns divertidos soufflées de batata em forma de porco que devem dar mais trabalho que todo o restante prato junto! Muito interessante também a marmelada de demi glacé que elevava todo o conjunto.

 Manga, coco e lima 
Uma sobremesa leve e fresca, como gosto, mas que se perdeu no excesso de texturas entre o cremoso e o gelatinoso.

Banoffee, banana, amendoim e chocolate branco
A última sobremesa repôs o nível dos pratos anteriores, aqui sim com uma boa combinação de texturas, do bolo ao gel e aos purés, passando pelo crocante e o excelente chocolate branco caramelizado. Um ótimo e guloso final!

Nos vinhos optou-se por um Riesling Duriense, 2015, de Marcos Hehn. Um vinho elegante, que denota bem a casta e cuja acidez e elegância funcionou muito bem ao longo da refeição. Sobre a carta de vinhos, assenta maioritariamente em pequenos produtores nacionais, onde tudo é bom mas também demasiado “certinho”. Um pouco mais de arrojo nas escolhas, à semelhança daquilo que se apresenta no prato, é o que se pede para o futuro.

Sobre o serviço esperava uma pouco mais de “casual” e menos de fine dining, da louça lindíssima à luva branca ou os pequenos detalhes de serviço tudo se aproximou mais do refinamento de um restaurante de topo do que dos seus congéneres mais informais. Também aqui o Almeja, desejou mais e melhor, o que se revelou uma agradável surpresa, especialmente por poderem mostrar um serviço diferenciado a um público mais alargado.

Considerações Finais
Em menos de um ano o jovem João Cura fez deste Almeja um dos projectos mais interessantes da cidade, bons produtos, boa técnica, um apurado sentido estético e preços honestos (algo cada vez mais raro). Além da carta, o Almeja pode ser descoberto através de um menu de Degustação (55€) ou provado num interessantíssimo menu de almoço (15€), onde se vão fazendo alguns testes para novas cartas. A cozinha é portuguesa com algumas e óbvias influências da passagem do chef por Espanha. Demonstra conhecimento mas com uma capacidade de restrição que normalmente é raro encontrar em cozinheiros ainda jovens, que naturalmente tentam mostrar mais e mais, acabando por errar.

Se Almejar é desejar ou querer muito, este Almeja sonhou, desejou e conseguiu tornar-se num porto de abrigo neste cada vez mais competitivo Porto gastronómico. Pelo que só nos resta acompanhar o trabalho deste jovem talentoso e da sua equipa, porque o futuro, esse, são eles que o traçam…

Almeja
Preço Médio: 30/35€ por pessoa sem vinhos
Rua Fernandes Tomás,819 – Porto
22038120

English Version

Fotos: Flavors & Senses

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