Ferrugem – Vila Nova de Famalicão

Com cerca de 1h de antecedência, reserva feita e  GPS operacional partimos do Porto em direcção a Portela, uma pequena aldeia do concelho de Famalicão, entre vinhas, curvas e casas tradicionais. Uma aldeia como tantas outras caídas no esquecimento, com a diferença de que Portela faz parte de todos os roteiros gastronómicos do Minho e de Portugal. A culpa é de Renato e Dalila Cunha que em 2006 revolucionaram as suas vidas,  deixaram os seus empregos e deram asas ao sonho de ter um restaurante, tornaram-se chefs autodidactas, cheios de amor pela tradição minhota e de paixão pelas técnicas mais elaboradas e ousadas que este ano culminou no título de “chef de cozinha do ano” da revista Wine. O restaurante é acolhedor com decoração sóbria, mesas amplas e bem dispostas.

O menu Outono/Inverno  conta com opção de Carta (29€, 3 pratos) e 2 menus de degustação (4 momentos – 33€, 6 momentos – 45€). A refeição começou pelo tradicional couvert (3€), aqui inovado pela presença de uma manteiga de azeite (azeite gelificado com recurso a goma xantana), de simpática textura e fantástica apresentação, um  aspecto que este casal de chefs não descura. Do pão, o realce vai para o excelente pão caseiro de maçã e para o ponto menos positivo de ser servido frio.

Caldo Verde com broa de milho tostada em azeite

Algum tempo depois eis que surge a saudação dos chefes, um caldo verde com broa de milho, um prato em que a tradição ganha uma imagem tradicional, com a presença de todos os sabores, a batata, a couve galega, o chouriço ou azeite, apresentados num delicado creme de um bonito tom verde e uma ótima e delicada textura. Um preságio que algo de bom nos esperava naquela noite.

Caviar Português, ovas de sardinha, caviar de vinagre, tomate gelificado, espuma de azeite, ervas e broa de milho
A versão mais recente de um emblemático prato do ferrugem, elementos bem portugueses, trabalhados de forma exímia, e a mostrar uma das melhores características de Renato e Dalila, a forma como combinam sabores e texturas. Neste prato, encontramos isso na perfeição, líquido das esferas, a leveza da espuma, o crocante da broa e a rugosidade das ovas, criando um jogo delicado e de sabores leves e subtis. Uma aposta ganha.

Hambúrguer de rabo de boi, queijo de S. Jorge, picle de pepino, pão de batata, cebola e sésamo e papel de tomate
Recriando todos os elementos de um clássico hambúrguer, os picles, o tomate ou queijo desta feita combinados com um magnífico estufado de rabo de boi. Uma entrada de excelente sabor onde o ponto menos positivo vai para o tamanho excessivo da “folha de tomate”, que acabando por se sobrepor em determinadas zonas dificultava a ingestão e o seu objectivo de se desfazer na boca.

O Salmonete e o Arroz de Carabineiros
Um prato de mar com um inolvidável sabor a isso mesmo. Salmonetes bem preparados e cozinhados no ponto, sobre um arroz carolino preparado como um risotto de carabineiros, também eles servidos no ponto. Mais uma vez e num prato mais confortável se verificam quer técnica quer o talento na combinação de dois elementos marinhos, tão nobres e de sabor tão rico.

Bochecha de porco bísaro, migas de castanha, crocante de orelha
Carne muito bem preparada, suculenta, tenra e com grande sabor a combinar muito bem com as migas de castanha, que tanta vez serve de alimento a este fantástico animal. Bom também o crocante de orelha. No geral todos os ingredientes funcionam bem, no entanto denota-se a falta de um molho ou um creme que ligasse melhor todos os elementos.

Pêra Rocha do Oeste, geleia de vinho do Porto, tarte de queijo fresco e sorbet de limão
Uma sobremesa clássica deste espaço, numa versão da casa de um cheesecake, bem acompanhado pela nossa famosa pêra cozida no ponto e balançado pela acidez do sorbet. Excelente opção.

Tributo a Abade Priscos, migas de toucinho do céu, gelado de pudim abade de priscos, folhas de amêndoa e caramelo de citrinos
Numa casa minhota, não poderia faltar uma homenagem à doçaria conventual, desta feita com um “toque” diferenciado. O Destaque vai para o excelente gelado de pudim abade de priscos, onde se verificam todos os seus elementos e sabor característico. Um prato muito bem conseguido e preparado não caindo no excesso de doçura.

A carta de vinhos é curta mas com opções para todos os gostos  e preços sensatos, com realce para os vinhos verdes, ou não estivéssemos nós no Minho. Acabamos por acompanhar a refeição com o Soalheiro clássico (17€). Existem ainda, muitas e boas opções de vinho a copo.

Da cozinha, saem pratos com respeito pelos ingredientes, sabores e ponto de cozedura, num reflexo da visão dos chefs sobre a cozinha local e tradicional recriada e exibida de forma moderna.

Considerações Finais
A visão de Renato e Dalila sobre o Minho leva a que sejam hoje, a par com os produtores de vinho verde, os melhores embaixadores daquela região. Sem cair em erros vão criando o seu sucesso calmamente desde que abriram em 2006 com uma matriz tradicional, moldando os gostos dos clientes por aquilo que idealizavam para a sua cozinha. Com sucessos comerciais como o seu Pastel de Bacalhau com Nata, que hoje se industrializou e um nome cada vez mais forte, este casal vai criando paulatinamente o seu merecido sucesso. Os seus pratos são bem pensados e preparados,  a combinação e o respeito pelos ingredientes é uma das marcas, assim como a apresentação e alguns apontamentos que acompanham os pratos. É sem dúvida um dos projectos mais interessantes do Norte e provavelmente do País. A nós resta-nos o desejo de voltar à rua das pedrinhas para conhecer a próxima carta.

Ferrugem
rua das pedrinhas, 32, Portela, Famalicão
+41° 27′ 41.83″, -8° 26′ 53.63”
252 911 700

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One Trackback

  • By Ferrugem (Revisitado 2016) on Janeiro 9, 2017 at 1:25 pm

    […] Pois bem, este Ferrugem nasceu em 2006, na invulgar localidade de Portela, junto a Famalicão, pela mão do casal Dalila e Renato Cunha, que juntaram a sua paixão autodidata pela cozinha com a ousada – talvez louca seja a expressão mais correcta – vontade de criar um restaurante de autor numa zona rural da conservadora região do Minho. O talento foi-se fazendo sentir e a sua marca de “Portugalidade” foi conquistando até os críticos mais difíceis (os locais), basta para isso recordar o imenso sucesso do seu Pastel de Bacalhau com Nata, o seu caldo verde, ou a sua Cavala fumada com ovas de vinagre Moura Alves (ver). […]

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