Euskalduna

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Não tenho por hábito, nem por gosto, escrever e visitar restaurantes novos ou abertos recentemente, seja por achar que muitos dos espaços ainda se estão a definir, seja por considerar que as falhas são muitas das vezes perdoáveis, ou muito simplesmente porque a Internet já está cheia de nomes que vivem da publicação do novo, do trendy e do imediato. Mas existem sempre excepções para confirmar a regra e este é um restaurante diferente, a todos os níveis, pelo que a vontade de escrever surge facilmente.

Quando em 2o14 provei pela primeira vez a cozinha de Vasco Coelho Santos (ver), houve momentos altos e baixos com uns pratos mais bem conseguidos do que outros, mas o que sobressaiu naquela noite, e o que me fez afirmar que ainda iríamos ouvir falar muito do seu nome, foi o seu rasgo criativo, a técnica e o respeito pela matéria prima.

Pois bem, passaram-se quase 3 anos, umas dezenas de jantares privados, muitos erros e experiências, uma bem sucedida “casa de frangos” – BaixóPito -, mais umas quantas viagens pelo mundo… Et voilà! Nasce o Euskalduna Studio, fruto daquele arrojo e necessidade criativa que Vasco sempre demonstrou ter. Um restaurante contra a corrente, a começar pela localização,  numa mal amada área do centro do Porto, uma pequena sala de ambiente minimalista que ganha calor pelo uso da madeira e equilíbrio com uso do ferro e da pedra. Apenas duas mesas e um longo balcão que funciona em jeito de cadeiras de orquestra para uma peça de teatro em que a equipa em vez de uma peça de Kabuki (tipo de teatro japonês) nos apresenta um menu Omakase onde os comensais se aventuram para saborear o que de melhor os fornecedores têm para lhes entregar a cada dia.

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Se por um lado o conceito de comer e a decoração se inspiram no Japão o nome surge dum trocadilho com Vasco e País Basco “Euskalduna” na língua basca. Região essa que muito o influenciou a nível técnico e de composição dos pratos, fruto da sua passagem pelo El Bulli, Mugaritz e Arzak.

Adiante na história e passemos à visita, que decorreu logo no 2º dia do soft opening, juntando assim o nervosismo de uma abertura à exigente plateia que o visitava naquela noite, entre os quais  vários chefs, um deles com direito a estrela no guia vermelho, gastrónomos internacionais e amigos de longa data – fosse comigo e as minhas mãos tremeriam bem mais do que tremeram as de Vasco Coelho e a sua equipa!

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A ideia é entrar no restaurante e deixar-nos levar, tal como na falada peça de teatro, pelos argumentos (neste caso cerca de 10 momentos) propostos pelo chef, sem entraves ou restrições (pronto, a brigada anti-glúten pode sempre conferir com a equipa todas as suas restrições no momento de efectuar a reserva!). É verdade que gosto de escolher e saber o que vou comer, mas às vezes é importante sair fora da caixa e sabermos entregar-nos nas mãos de quem quer simplesmente agradar-nos e satisfazer-nos.

Euskalduna-2Edgar Alendouro – o escanção com um Quinta das Bágeiras Super Reserva 2013

Sentados ao balcão, onde a experiência se garante mais cativante, começamos o espectáculo com um brinde de Quinta das Bágeiras Super Reserva 2013, um dos grandes espumantes bairradinos feito pela mão certeira de um dos nossos melhores vignerons – Mário Sérgio – que com um blend de Maria Gomes e Bical produz um vinho com identidade, como se fazem muito poucos – austero e cítrico, na boca revela um interessante corpo e uma frescura que lhe permite acompanhar muito bem os snacks que se seguiriam.

Para começar, uma interessante e ótima versão do clássico Bolinho de Bacalhau – com uma capa crocante a lembrar um torresmo e um interior cremoso e delicado.

Euskalduna-5Caranguejo, rabo de porco
Seguiu-se o caranguejo, presente num ótimo creme e na carne branca das patas acompanhado de um peculiar crocante de rabo de porco. Se em separado todos os elementos funcionavam bem, no conjunto a intensidade do crocante de rabo demasiado tostado sobrepõe-se em demasia à doçura e subtileza do crustáceo.

Euskalduna-6Língua de Cordeiro, molho Holandês, trufa e flor de ervilha
Vasco deve ter alguma atracção especial por línguas, que diga-se, cozinha sempre magistralmente. Grande textura, sabor simples e elevado pelo molho que poderia ser ainda mais intenso e a trufa, ainda que a mesma já não estivesse na sua melhor forma.

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Euskalduna-8Alho e Parmesão
Se é certo que a língua irá chocar a maioria dos comensais, o alho não lhe ficará muito atrás. Um dente cozinhado a baixa temperatura, posteriormente nixtamalizado (processo de cozimento numa solução alcalina à base de cal) e finalizado com queijo parmigiano. Alho de capa crocante e interior cremoso, bom jogo de sabores, que traz consigo o factor Wow.

No copo esteve um Madeira Sercial 10 anos da Barbeito, cuja mineralidade, os frutos secos e as notas resinosas trouxeram uma grande frescura e se acomodaram muito bem com a intensidade deixada na boca pelo alho e o queijo.

Euskalduna-9Ouriço do Mar, Telha de Parmesão e capuchinhas
Ler o nome do prato é o mesmo que ler bomba de umami, e foi isso mesmo que recebemos, um ótimo snack em que até a combinação do queijo com o marisco funcionou.

Euskalduna-10Sopa do diaOvo a 70º, ervas, algas, beterraba e caldo de vegetais
Excelente o ovo cozinhado a baixa temperatura e curado em açúcar, bem acompanhado pela selecção de ervas e algas. A beterraba trouxe notas de terra que trazem mais algum calor e estrutura ao prato, mas faltou ao límpido caldo um pouco mais de intensidade e sabor.

A harmonizar esteve um jovem Pormenor 2015, um branco duriense que promete muito a quem o guardar por algum tempo, com uma acidez vibrante, estava ainda demasiado energético para não se sobrepor aos delicados pratos que acompanhou.

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Euskalduna-11Cavala, Pepino e Gin
Este é outro prato que o jovem chef tem vindo a desenvolver desde que iniciou o seu projecto de jantares privados, e mostrou-se em excelente nível. Excelente o rigor técnico, o sabor do peixe e a combinação da sua gordura e untuosidade com a frescura e acidez do gin e do pepino. Um grande prato!

Para acompanhar, nada mais do que um gin sour, preparado com recurso ao sifão, apresentando a mesma espuma que já encontramos no prato. Muito bom!

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Euskalduna-12Gamba do Algarve, pó de caril, salada de manga, creme de carabineiro
Este foi o momento alto da noite! As gambas estavam delicadas, doces e com a textura certa, muito bem complementadas pelo creme feito com as cabeças dos carabineiros (pergunto-me onde terá ido parar o corpo), uma salada fresca e ligeiramente picante de manga e um pó de caril gelado feito na pacojet.

Um grande prato em que tudo faz sentido e tudo se equilibra, incluindo o chá de cúrcuma (açafrão da Índia), com que fez o paring, cujas notas doces e quentes (ainda que estivesse um pouco frio) ajudaram a limpar os sabores mais fortes e marcantes do caril.

Euskalduna-15Tamboril, molho de miúdos de frango e nabos
Não fosse a relação entre peixe e miúdos ser excessiva para o lado das miudezas e estaríamos perante outro prato soberbo. Como a dose de peixe – cozinhado irrepreensivelmente – era pequena, o molho e a intensidade dos miúdos acabaram por tomar as rédeas do prato.

Nos vinhos, o escanção parece ter lido os meus pensamentos e trouxe um vinho que muito me agrada mas que raramente se consegue encontrar, o Encruzado Munda de 2008, um vinho que está a passar uma grande fase, ligeiramente oxidado, com uma bela estrutura e com todos os elementos já colocados no seu sítio, um vinho que não cansa e que neste caso acompanhou muito bem o prato.

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Euskalduna-17Costela Mindinha e Ananás
Um dos meus cortes favoritos, como bom transmontano que sou, e tantas vezes menosprezado, aqui muito bem tratado com a cocção a baixa temperatura, faltando-lhe apenas um pouco mais de caramelização na capa exterior. Nota alta para o doce “mil folhas” de ananás assado e muito alta para o molho de carne que acompanhava o conjunto – um bom pickle podia também ter ajudado a elevar o conjunto.

Houve ainda tempo de limpar o molho com o pão que a equipa tem vindo a tentar desenvolver sob a orientação do mestre Mário Blanco Peres, que não estando ainda afinado deixa antever, pelos aromas da sourdough, que vai valer a pena que o pão se torne num dos momentos do menu.

Com a carne bebeu-se um duriense, Campo Ardosa 2009, de notas a erva típica da região, fruta controlada e boa estrutura e final.

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Euskalduna-19Maça
A pré sobremesa traz fruta e frescura, num conjunto de várias texturas de maça verde que serviu, e bem, para limpar o palato.

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Euskalduna-22Rabanada, Gelado de gorgonzola
O final apresenta-se de forma simples e de aspecto modesto, mas desengane-se o comensal, esta rabanada confeccionada ao jeito Basco é um assombro, desde o sabor ao jogo de texturas e a sua boa relação com o ótimo gelado de gorgonzola. Uma bonita homenagem à região que tanto influenciou o chef, e que resulta simultaneamente num grande final!

E para brindar, um delicioso Kopke branco 10 anos, um vinho aromático, equilibrado na madeira e intenso, resultando bem com a sobremesa e com a conversa que se vai criando entre os comensais e a equipa no final da “peça”.

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É ainda importante destacar a arrebatadora louça utilizada na apresentação dos pratos, em particular para as peças desenhadas de propósito para o Euskalduna em barro negro de Molelos.

Considerações Finais
O Euskalduna é um daqueles restaurantes onde não vamos para comer, vamos para ter uma experiência, uma “encenação” gastronómica que culmina com a satisfação das nossas papilas e dos sentidos. É um espaço conceptual até que rasga os hábitos da cidade e promete várias sensações aos visitantes, da sensação de descoberta, ao desconforto e ao êxtase, é um jogo de altos e baixos em que brilha o jogo de texturas – fruto da sua paixão e inspiração pelo Mugariz – e o respeito por uma matéria prima de excelência.

Um espaço que, apesar dos erros que referi, deve manter-se fiel ao seu espírito irreverente e inquieto, assumindo os riscos da criação quase diária de um menu. Cabe ao comensal aprender a aceitar os altos e baixos, como são os momentos e os actos de uma boa peça de teatro, porque no final o sorriso e a vontade de aplaudir não lhe irá fugir!

A colocar na lista! Um futuro caso de sucesso do Porto e de Portugal!

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Euskalduna Studio
Menus a 70€(Sem bebidas)
Rua de Santo Ildefonso, nº404 – Porto
00351 935 335 301

 English Version

 Fotos: Flavors & Senses

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