Um Jantar, 3 Génios e uma mesa bem composta

niepoortleitaria-4O clássico Demijohn da Niepoort

É sempre bom receber convites e ver que o trabalho que se realiza tem alguma importância para as pessoas, mas existem vários tipos de convites, muitos não fazem o mínimo sentido, outros não nos agradam, outros somos forçados a recusar for falta de disponibilidade, e outros, são especiais, são convites que não vêm em press release nem com o nome trocado, são pessoais, com mensagens curtas mas cheias de conteúdo! E são estes convites que não esquecemos, que quando os recebemos nos deixam cheios de ânsia, e que no dia seguinte as memórias tomam conta do nosso pensamento!

Para provocar esses momentos especiais não há como as empresas como as vínicas, e como a Niepoort em particular contar-se-ão certamente muito poucas (mesmo, muito, muito poucas!).

Dito isto, nada como revelar o conteúdo do convite, que num pequeno, mas fantástico espaço como o Feeling Grape, reúne 3 grandes génios, Dirk Niepoort, sobre o qual já quase tudo foi dito e escrito –  embora cada vez que partilhe um momento com Dirk, sinta que por mais que se possa escrever e ler sobre o seu trabalho não existe nada melhor do que ouvi-lo, especialmente enquanto o bebemos também –  Philippe Pacalet, o génio da Borgonha, que volta ao Porto (ver 1º artigo) para nos mostrar os seus vinhos únicos, que com toque de vigneron e mão subtil expressa como ninguém os vários Terroirs que os Deuses criaram naquele canto tão especial, e por último, mas não menos importante, Vítor Claro, o cozinheiro que também produz vinho, mas que não se limita a assiná-los, cria-os, estuda-os e suja as mãos na altura da acção.

A noite, ou a tarde para ser mais honesto, começou bem com clássico Porto Branco velho, um vinho com cerca de 70 anos em garrafa e outros tantos antes de ser engarrafado, uma experiência única sempre que o provamos, com o seu lado seco a revelar-se o aperitivo perfeito, com a complexidade da idade e um final que chama pela comida.

Seguiram-se algumas amostras de futuros lançamentos da Niepoort, alguns dedos de conversa (com direito a desenferrujar o francês) e um ouvido afinado de bom aluno enquanto se ouviam algumas palavras sábias, fossem elas de vinho ou da vida.

niepoortpacalet16Bacalhau à Conde da Guarda 
Um prato mítico do Aviz, que o Vítor moldou ao seu estilo e que se tem tornado ao longo dos anos a sua maior assinatura, não havendo hoje gastrónomo que se preze que não reconheça as duas quenelles que o chef coloca com toda a sua subtileza no prato. É uma combinação perfeita de bacalhau, puré e manteiga que se cruza com a frescura e o umami de um tártaro “simples” de tomate. Dois elementos que se complementam na perfeição, e que não poderiam ser um melhor cartão de visita para o que o Vítor Claro pretende que seja a “sua cozinha”, bom produto, muito sabor, elegância e uma subtileza tão elegante que chega a enervar.

Para que não houvesse dúvidas sobre o que nos traria este jantar, o Bacalhau foi harmonizado com o Chablis 1er cru Beauroy 2013 de Pacaletum vinho e um ano, que nas palavras do próprio, expressa bem o seu terroir, com uma mineralidade fantástica, e uma complexidade que o tornou a companhia perfeita para o fiel amigo.

niepoortpacalet16-2 Tártaro de Atum e Ostra
Seguiu-se outro prato fresco, e mais uma vez surge aquela acutilante subtileza, que se transforma numa bomba de sabor, elegante e sem roupagens estranhas, está lá o atum – um rico Bonito dos Açores – as ostras, e o sumo de salada Waldorf, que é como quem diz aipo, maça e pepino(?). Tudo irrepreensível,  com a mão na medida certa e muita frescura!

Para harmonizar, Dirk e Philippe trouxeram o Chassagne-Montrachet 2013obviamente mais um 100% Chardonnay, com uma expressão bem distinta do Chablis, com mais estrutura, aromas mais exóticos, um lado salino e mineral que o tornam bem gastronómico.

niepoortpacalet16-4 Lula Oriental 
Um prato servido a dois tempos, e que também a dois tempos me fez entrar numa espécie de Bungee jumping entre a Terra e o Céu. Um fino tagliatelle de lula gigante crua, marinada em molho de sésamo e soja, com pepino fresco, cebolinho e azeite. Simples, muito simples, fresco, irreverente, delicado e honestamente único.

Para segundo tempo, um caldo, feito com a mesma lula, a sua tinta e coentros. Uma sopa fina, elegante e reconfortante depois de vários pratos frios. Um daqueles caldos que todos gostaríamos de ter quando chegamos a casa.

Para acompanhar um dos grande pratos da noite um dos melhores vinhos provados, o Nuits-Saint-Georges 1er Cru Argillas 2012, elegante, complexo, com fruta vermelha e negra, notas salinas e uma mineralidade que lhe dá uma vida rara e uma energia contagiante a quem o bebe.

niepoortpacalet16-6Lombo de Vitela Maronesa
O delicado lombo de maronesa, cozinhado em “ponto de rebuçado”, acompanhado por foie gras fresco e o seu saboroso molho, equilibrado de forma mais arrojada pelo manjericão e o cebolinho, que contrastam e equilibram o foie com o seu lado vegetal e frescura. Um prato untuoso, intenso e ao mesmo tempo estupidamente delicado.

Para harmonizar com a carne esteve o Chambolle – Musigny 1er Cru 2012, um dos clássicos de Pacalet, um vinho elegante, fácil de perceber e impossível de não se gostar. Com bastante fruta escura e especiarias, que resultam num vinho complexo e profundo,  mais consensual que o Nuits-Saint-Georges 1er Cru Argillas.

niepoortpacalet16-8Paulo Silva AKA o mestre do tacho

niepoortpacalet16-9Robalo de Mar e tomatada 
Depois de uma troca de pratos e vinhos orquestrada como já é habitual por Dirk Niepoort, eis que surge o tacho na mesa, com uma impressionante massada de Robalo, com mais um impressionante caldo de peixe e tomate, lascas suculentas de um robalo de porte generoso e uma massinha no ponto que dá ao prato conforto e substância. Um daqueles pratos que nos remete para a cozinha da avó, com o tacho, a partilha, o conforto, mas um sabor que nos leva para as estrelas – sejam as do guia vermelho ou as do espaço.

Para finalizar os pratos principais, o grande Corton-Charlemagne Grand Cru 2013provavelmente o principal branco do portfólio de Philippe Pacalet, complexo, profundo, focado, com uma ótima acidez e mineralidade. Um branco único!

Para terminar, deu-se folga ao Chef que se juntou aos convidados, enquanto se degustava um excelente Queijo da Serra e claro os vinhos do Porto da Niepoort.

Começando por um Niepoort Vintage de 77 em garrafa de litro, um vinho ainda com garra, com notas de fruta e um lado quase medicinal que recorda rebuçados da tosse, com taninos subtis e muito poder. Um vinho que ainda pode ser guardado!

Para terminar, e porque o Dirk nunca faz a coisa por menos, um dos raros Niepoort Garrafeira 1931, o primeiro garrafeira da casa, que é hoje a única produtora desta categoria de vinhos do Porto que envelhecem em Demijohn’s (grandes garrafões de vidro) e que o IVDP insiste em não autorizar enquanto denominação. Mas bom, o que interessa é o vinho, e esse mais do que notas, é uma história, que se aproxima a bom ritmo de um século de vida, e muitas, muitas emoções. O vinho, esse, está cheio de aromas, que se confundem e se mesclam dando-lhe uma complexidade invejável, mantendo uma frescura também ela especial. Mas bom, aqui o importante era saborear o momento, um grande jantar, 3 grandes senhores e muito, muito vinho.

niepoortpacalet16-10A herança e o génio

Considerações Finais  
Philippe Pacalet é uma pessoa especial, a paixão e o cuidado com que trata os seus diferentes vinhos e a subtileza com que os trata  de forma a que cada um deles expresse da melhor forma possível o terroir em que se inserem, ou não usasse apenas Chardonnay e Pinot Noir para criar mais de duas dezenas de vinhos bem distintos. Assim sendo, não seria possível encontrar para Pacalet um melhor paralelo na cozinha do que Vitor Claro.

Hoje está claro que todos os cozinheiros falam no produto, na origem e na sua importância, mas é Claro quem vive essa busca e essa expressão do produto, sem cirurgias nem maquilhagens! Uma cozinha de rigor técnico, em que os sabores são exponenciados sem serem falseados ou exagerados, e a subtileza e delicadeza das conjugações são impressionantes.

Foi um jantar em que a determinada altura, mais do que os grandes vinhos, a cozinha me emocionou, pelo sabor, simplicidade e elegância, uma cozinha que reflete bem a identidade de quem a criou.

Agora que o restaurante do Vitor, também conhecido como Claro, foi renovado, que a equipa foi reforçada e que os media lhe começam a dar alguma atenção, muitos perguntarão se o Claro mereceria uma estrela, mas a questão que se põe aqui é outra, será que as estrelas merecem o Claro?!

Podem encontrar todos os vinhos de Philippe Pacalet aqui.

English Version

Fotos: Flavors & Senses

Nota
Estivemos na apresentação dos vinhos de Philippe Pacalet a convite da Niepoort, sendo que isso em nada altera o nosso trabalho cuja opinião e o texto são da exclusiva responsabilidade do seu autor.

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